PARDITUDE E O PLÁGIO MORAL DE UM CONCEITO JÁ FORMULADO POR LÍVIA ZARUTY EM 2010

Trocar “pardo” por “parditude” não faz de um discurso algo inédito.

É o mesmo raciocínio, os mesmos dados, as mesmas denúncias — sem citação à autora original.

O que a clarinha de turbante  apresenta hoje como formulação acadêmica já foi apresentado por Lívia:

No vídeo “Pardo não é papel” (2017);

Na Revista Raça Brasil (2011);

No documentário Etnia Brasileira (2010);

No blog premiado pelo Top Blog Brasil (2015);

E no Prêmio iBest Diversidade & Inclusão (Top 10 – 2022).

Em 2010, a comunicadora, pesquisadora e documentarista Lívia Zaruty lançou o projeto Etnia Brasileira, onde apresentou ao público brasileiro e internacional uma análise crítica sobre identidade parda, mestiçagem, negritude fenotípica, branquitude diluída e apagamento estatístico promovido pelo Estado e pelo movimento negro institucionalizado.

De forma pioneira, Lívia nomeou o fenômeno da fusão forçada entre pardos e negros como um erro estratégico do Estatuto da Igualdade Racial (2010) e passou a questionar, com base em dados e vivência, a distorção que isso causava nas políticas de cotas, representatividade e autodeclaração racial.

Desde então, Zaruty vem repetidamente afirmando que pardo não é papel, nem estatística útil, e que há uma diferença política, social e fenotípica entre pardos retintos — racializados e atravessados pela exclusão — e indivíduos de miscigenação branca que, após 2010, passaram a se autodeclarar negros para acessar políticas afirmativas.

A crítica à fusão pardo-negro promovida pelo IBGE e pelo Estatuto da Igualdade Racial (conceito já denunciado por Lívia em Pardo Não É Papel, 2017);

A ideia de que a maior parte da violência estatística atinge o grupo pardo e não o preto retinto, que é minoria demográfica;

A frase que abre o vídeo:

> “Você, pardo, mestiço, não é negro.”
Essa é uma frase-tese de Lívia Zaruty, repetida inúmeras vezes em seus vídeos desde 2015.

Beatriz Bueno tem sido apresentada como criadora de um conceito inovador chamado “Parditude”, mas a estrutura, os argumentos e a crítica que ela hoje divulga já foram documentados e defendidos publicamente por Lívia Zaruty há mais de uma década, no projeto Etnia Brasileira (2010), no vídeo Pardo não é papel (2017), e em diversas publicações reconhecidas.

Enquanto Beatriz renomeia a pauta com estética acadêmica, omite a origem do conteúdo que consumia e usava como referência, apagando a trajetória de uma mulher preta retinta que denunciou, com risco e rejeição, a confusão política da autodeclaração racial e a fusão forçada entre pretos e pardos.

A falsa autoria não está apenas no uso do termo. Está no apagamento simbólico, no plágio conceitual e na apropriação de vivências que não lhe pertencem.
No próprio vídeo, Beatriz afirma:

> “Eu acompanho sempre o trabalho da Lívia Zaruty…”



> “Foi difícil, foi uma descoberta… Meu querido pardo, chega aqui, dá a mãozinha. Eu sei como você se sente…”



> “Parece que nós não temos lugar na sociedade, né?”



Essa fala é um reconhecimento direto de que sua auto-descoberta como mulher mestiça não-negra veio a partir dos conteúdos de Lívia Zaruty — especialmente aqueles que tratam do não-lugar pardo, da confusão causada pela fusão estatística pardo-negro e da crítica ao uso político da autodeclaração racial.

“Beatriz Bueno admitiu: aprendeu sobre mestiçagem, pardo e não-lugar assistindo Lívia Zaruty”


O vídeo publicado pela própria Beatriz há anos confirma o que hoje ela tenta omitir: sua formação conceitual é diretamente inspirada nos conteúdos da Etnia Brasileira, criados por Lívia Zaruty — que ela hoje tenta apagar.

Conclusão

Este artigo não tem como objetivo atacar, mas reivindicar com clareza a autoria intelectual de uma construção teórica que vem sendo replicada sem crédito.

O que hoje se apresenta como “Parditude” é, na verdade, uma reformulação estética do discurso criado por Lívia Zaruty, sem citar sua origem, sem reconhecer a base que deu início ao debate, e sem respeitar a trajetória de uma mulher preta retinta que há mais de 14 anos rompeu o silêncio sobre o pardo brasileiro.

INTRODUÇÃO

“Pardo” não é papel.
E “partitude” não é invenção recente — é só o nome que deram agora para o que já venho dizendo há mais de vinte anos.

Antes da nomenclatura circular na academia e nos Instagrams racializados de fenótipo ambíguo, eu já trazia a “partitude” como realidade social, estatística e política. Só que eu chamava de “pardo”. E quando eu dizia que “pardo” não é papel, eu não falava de pigmento — falava de identidade sequestrada.

Falei antes. Documentei antes. Fui ignorada antes.
Mas agora, assisto de fora o reaproveitamento do meu discurso por quem já consumia meu conteúdo e agora o serve em bandeja branca, com turbante e título de tese.

O que mudou não foi o discurso.
O que mudou foi quem pode dizer — e ser legitimado.

Porque “partitude” não virou conceito quando foi dita por alguém de fenótipo claro.
“Partitude” já era realidade no corpo de quem carregava a marca da exclusão.

Desde 2010, no projeto Etnia Brasileira, fui pioneira em denunciar:

O não-lugar do “pardo” no debate racial;

A mestiçagem como ferramenta de apagamento;

A branquitude como identidade que se adapta quando interessa;

A fusão entre “pretos” e “pardos” como estratégia de controle e neutralização política.


E agora, o que vemos são os filhos da “branquitude” passando pelo funil das políticas de reparação com discurso pronto e estética montada.

Quem ontem jogava pedra nas costas do “negro”, hoje penteia o cabelo crespo comprado e se autoproclama herdeira de Wakanda.
Não por mudança política, mas por conveniência narrativa.

Como disse Djamila Ribeiro em entrevista no Roda Viva, em fala que reforça esse mesmo processo:

> “Pessoas que jogavam pedras nas costas de pessoas negras, hoje são protagonistas. A gente vê filhos de brancos… ocupando espaços. Enquanto pessoas negras reais continuam marginalizadas.”
Assista à fala completa aqui: Roda Viva – Djamila Ribeiro (vídeo)



A “partitude” virou conceito quando saiu da pele retinta e foi parar na boca da “clarinha de turbante”.
Mas o conteúdo, os riscos e o preço de dizer…
Foram meus.

Este livro não é resposta.
É documento.
É autoria restituída.

Porque nomear um conceito é importante.
Mas antes de nomear, é preciso escutar quem já dizia.

CAPÍTULO 1

A AUTORA E A TESE DE 2010

Você precisa entender uma coisa desde já:
Eu não cheguei agora nesse debate. Eu não me descobri “parda” ontem.
Eu não fiz pós-graduação para perceber que “pretos” e “pardos” vivem experiências diferentes.
Eu venho dizendo isso há décadas — com câmera na mão, cara no sol e silêncio como resposta.

Em 2010, eu fundei o projeto Etnia Brasileira.
Naquela época, não existia essa estética racializada da geração Z que hoje viraliza com frases prontas sobre “negritude”, “mestiçagem” ou “branquitude”.
Eu não estava fazendo ativismo pela estética.
Eu estava nomeando um processo de apagamento que vivi no corpo, no olhar dos outros e na ausência das políticas que nunca chegavam para mim.

Enquanto o IBGE unia “pretos” e “pardos” como se fossem uma coisa só, eu perguntava:
Quem são os “pardos” que estão nas estatísticas?
Quem é “negro” nesse país? E quem só se declara quando convém?

Essa foi minha pergunta central desde o início.
E a resposta nunca veio dos jornais. Veio das ausências:

A ausência de rostos como o meu nas campanhas de negritude;

A ausência do fenótipo “pardo” real, marcado, vivido, na universidade;

A ausência de políticas que considerassem que nem todo “pardo” é lido como “negro”, e nem todo “negro” é aceito como pardo quando interessa à estatística.

Na Feira Preta de 2012, eu apresentei parte dessa tese.
Falei sobre o “pardo” que é chamado de negro para efeito político, mas rejeitado no cotidiano.
Falei sobre o “pardo” que sofre racismo, mas que não pode falar sobre ele porque não tem a estética certa para a militância.
Falei sobre os “brancos não-brancos” — esses que usam a autoidentificação racial como um crachá de acesso.


Fui silenciada.
Fui chamada de separatista por dentro da própria militância negra.

E hoje?
Hoje eu assisto ao retorno da minha tese — reciclada, embrulhada com termos novos e vendida como conceito inédito.
Mas a base é a mesma.
“Pardo não é papel” foi a frase que me jogaram de volta no esquecimento.
Agora é a frase que eu resgato como assinatura.

A minha história não começa na tese de alguém.
Ela começa na carne, na recusa, na denúncia — e agora, neste livro.

DOCUMENTO EM VÍDEO – FEIRA PRETA 2012

Este vídeo, publicado originalmente em 14 de dezembro de 2012, é uma das provas audiovisuais mais antigas do projeto Etnia Brasileira apresentado ao público. Gravado durante a Feira Preta, o vídeo traz Lívia Zaruty em discurso aberto, diante de uma plateia que, à época, ainda reagia com resistência ao termo “pardo” como identidade racial política autônoma.

No conteúdo, já é possível identificar pontos centrais da tese que viriam a ser plagiados mais de uma década depois:

A denúncia da fusão entre “pretos” e “pardos” como forma de silenciamento estatístico;

A crítica à mestiçagem como ferramenta de apagamento da identidade retinta;

A observação sobre a estética da representatividade, que ignora os corpos “pardos” reais em favor de narrativas mais aceitáveis.


Assista ao vídeo original aqui:
https://youtu.be/Y6D_dooO3_A

Ou escaneie o QR Code abaixo para assistir pelo celular:

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